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quinta-feira, 21 de outubro de 2021

 

O que o futuro me roubou

 

Quando eu era criança eu tinha um herói também mirim, mas era de verdade, não era como esses de ficção, ele era meu primo e amigo e brincava comigo, ele me protegia e me motivava nas superações. Ele me emprestava o seu tesouro para eu brincar, era uma bicicleta com protetores de guidão amarelos, ele me fazia acreditar que podia atirar com a baladeira como um menino e caçou bravamente o escorpião que picou o meu pé quando eu tentava subir no pé de umburana. A gente passava o dia inteiro no mato, caçando pássaros e seus filhotes, comendo umbu, resina de angico, frutos de coroa de frade e batata de algumas plantas que nem conhecíamos, as vezes nos distanciávamos muito de casa e íamos até a barragem do Teobaldo, o sol era muito quente, mas não lembro de senti-lo, e também não me recordo de nenhuma briga com ele, acho que não havia espaço para isso, eu me recordo mesmo é das experiências novas que tínhamos como dá a volta no parte vazia dos barreiros pela metade de água sem cair, pular mais alto nas traves que fazíamos com os fedegosos enfrente a casa do Vô, lembro bem dos espinhos de mandacaru e de cansanção que insistia em nos espetar nas nossas bravuras pela caatinga. Éramos muito felizes.

A medida que ia crescendo eu ouvia das pessoas para eu brincar com as minhas primas, que eu precisava me comportar mais como menina, fui sentindo as mudanças no meu corpo e meu comportamento mudou sem que eu me desse conta, então pisquei e eu era adulta, cheia de responsabilidades, vontades e nem percebia que estava sendo roubada pelo tempo. Não sei onde na linha do tempo eu me desvinculei de meu pequeno grande herói, e a cada dia eu ficava mais distante, nos meus anseios de conquistar o mundo eu perdi o meu tesouro, mal sabia que nunca mais o teria de novo, fui embora vazia do que eu nem sabia que havia existido. Hoje, de repente vendo uma séria coreana, eu percebi o tamanho do crime que o futuro da minha infância cometeu, ele me roubou a força, se aproveitou de meus sonhos, me afastou e me causou uma espécie de amnésia temporal, e mesmo que eu tenha conseguido alcançar o mundo com que sonhei em tudo isso, não é suficiente para resgatar o meu bem roubado.

Já faz alguns anos que eu soube que meu primo estava com problemas psicológicos, na época eu estava ocupada demais com meus sonhos para parar e entender melhor a situação, como uma pessoa comum eu lamentei, mas nada fiz, o tempo foi passando e eu fui sabendo das notícias da evolução da sua doença, doença essa que até hoje não sei o nome, saber que ele fica agressivo, principalmente com os pais é muito difícil, para onde foi aquele menino bondoso, protetor e divertido? Gostaria de poder voltar no tempo, refazer meus sonhos, não abandonar ele nunca, fortalecer ele em tudo para se tornar o adulto com aquelas características que tinha quando era meu herói, mas não é possível, então como posso ser a heroína que ele precisa hoje? Também não sei, e isso dilacera meu coração de uma forma inimaginável.

Ainda procuro respostas para salvar ele dele mesmo, provavelmente nem mereço mais os seus cuidados, mas mereço a paz de ver ele bem e feliz, já seria a recompensa de sua bondade. 

Eu não desisti, e um dia eu vou te resgatar, meu querido M.R!

De alma, da sua prima!

 

V.R

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